sábado, 20 de abril de 2013

Mestrado sobre o Funk: Identidade, feminismo e indústria cultural.


Aluna passa em 2º lugar em mestrado com projeto sobre Valesca Popozuda, e aí, qual o “pobrema”?


Por Gustavo Magnani, 
Uma notícia sobre educação, publicada no G1, gerou mais de 54 mil compartilhamentos no facebook [até agora] e tantos outros comentários descabidos. Por que tanta revolta? Ora, você, pelo título, já sabe muito bem. A polêmica se dá porque a estudante Mariana Gomes, mestranda em Cultura e Territorialidades na UFF [RJ], resolveu discutir se o funk é, como alguns dizem, um grito do feminismo, ou apenas uma mercadoria que vem para preencher o gigantesco mercado erótico – 50 tons de cinza mandando bjo – e, usará como modelo a cantora Valesca Popozuda
Vamos com a já tradicional estrutura de postagens semelhantes aqui no literatortura. A notícia [em trechos], retirada do G1, e depois a discussão. 
Mariana Gomes, de 24 anos, passou em segundo lugar na Pós-graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, com o projeto “My pussy é poder – A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural. Entre os objetivos do projeto está a desconstrução da ideia de que o funk seria o último grito do feminismo através das músicas de Valesca Popozuda, Tati Quebra Barraco, entre outras.
A ideia do projeto começou a surgir em agosto de 2008, quando a estudante ainda cursava a graduação em Estudos de Mídia, na mesma universidade. Ao estudar o funk e a sociabilidade da classe trabalhadora no município do Rio, ela visitou bailes funks em lugares como a Rocinha, na Zona Sul, em Santa Cruz, na Zona Oeste, e na Ladeira dos Tabajaras, também na Zona Sul.
[...] Reforçando a discussão da hierarquização da cultura, a jovem lembra das expressões “pronto falei” e “vou confessar que” utilizadas pelas pessoas que dizem que gostam de funk. “É comum você ouvir: vou confessar que gosto da Valesca. As pessoas já sabem que serão julgadas, ou elas mesmas se julgam. É importante quebrar este paradigma de séculos. Fazer isso vir à academia é muito importante”, encerra Mariana.  [retirado do G1]
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Ou seja, está claro que a ideia é discutir e pesquisar o movimento feminino dentro do funk, um dos gêneros musicais mais populares do Brasil. Antes de adentrar em alguns meandros, a gente precisa fazer uma diferenciação básica do que é uma discussão que tenta ser séria, para com uma conversa de bar, onde todo mundo fala porcaria, diz que funk é uma desgraça e que só rock presta. É claro que eu já fiz piada com funk, como já fiz com o rock, com caetano veloso, com a bunda da rita lee, com os beatles e até com pink floyd – que deus me perdoe -. Mas, para tais assuntos, precisamos deixar um pouco dos nossos gostos pessoais de fora e tratar – tentar, ao menos – as coisas de uma maneira mais racional e menos pessoal.
Como estudantes e pesquisadores, precisamos abrir um pouco mão do nosso “ego” e tentarmos, ao máximo, repito, tirar os valores pessoais, para que a pesquisa tenha, de fato, valor científico. Por exemplo, a Mariana pode odiar o funk, mas amar estudá-lo. E, caramba, não deve ser extremamente interessante estudar um dos movimentos musicais mais populares, polêmicos e descarados – sem juízo de valor – como o funk? Eu aposto que sim! 
Traçando um possível paralelo com a minha área, é a mesma coisa de um estudante de Letras começar o estudo da linguística – principalmente da parte social – e bater o pé dizendo que existe, sim, um língua perfeita e santa a ser falada e de que alguém, no universo inteiro, alcance tal patamar de perfeição, diminuindo aqueles que possuem uma variação linguística diferenciada. Você não acha que isso prejudicará a pesquisa e a maneira com que o pesquisador olhará seu objeto de estudo, no caso, a língua? 
Então, trago algumas falas da estudante que me pareceram bem coesas e norteiam, melhor do que eu poderia, o direcionamento de sua pesquisa:
“Eu fui observando que havia poucas mulheres cantando e que este papel ficava com os homens. As mulheres só estavam presentes dançando e quando havia erotismo. Parecia que não tinha espaço para a participação feminina em outros assuntos. E o público do baile é em sua maioria feminino [...] A MC Dandara, que escreveu “Funk de sainha”, sucesso gravado pela Valesca, escreve músicas de protesto, como o rap “Nossa banheira”. É uma música muito politizada. Mas ela precisa escrever músicas para vender. Então é possível que o erotismo nas letras de funk seja um fator mercadológico. A questão do corpo é o que mais me interessa. A relação entre feminismo e erotismo é perigosa, inclusive para a Valesca. Ela se diz feminista, mas será que é mesmo?”  [falas concedidas ao G1]
Ou seja, a ideia é investigar as motivações dessas mulheres para cantarem o que cantam e como suas músicas repercutem na sociedade. Mas, o grande problema que as pessoas têm visto é muito simples [e preconceituoso] e, em síntese, é:

“Academia não é lugar pra Funk”

Mc Dandara
A “Santa Academia” tem vivido um ciclo vicioso que. Ela existe, [quase] exclusivamente, por si e para si. Ela nasce e morre nela própria, não tendo influência alguma na sociedade. Por quais motivos? Pois há um belo salto alto naqueles que delam fazem parte, que preterem projetos, de fato, sociais, a outros menos interessantes [vale ressaltar toda a burocracia e apenas lembrar de outros n fatores]. Veja bem, eu não estou dizendo que todas as pesquisas devem ser, diretamente, voltadas para o população. Mas, a maioria, deveria. 
Bem verdade que esse assunto é vasto, polêmico e dá margem para muita discussão. Inclusive, na nossa Revista Digital, o “Manifestinhu Literatortura”, que faz um sutil critica à Academia, é veiculado em todas as edições, para explicitar um pouco daquilo que pensamos em relação ao assunto. 
Mas, por que tudo isso é importante? A universidade – e o Brasil inteiro [não falarei de outros países, pois, sinceramente, me falta propriedade] – vive um preconceito velado – muitas vezes nem tão velado assim –  para aquilo que é considerado “cultura de baixa qualidade”. Eu não estou falando de uma brincadeira aqui, outra acolá. Estou falando de preceitos pessoais que regem a maneira que as pessoas enxergam o mundo. Funk = bosta | Rock = Maravilha. Será? Porém, o ponto que eu, particularmente, julgo mais importante é:  e se a letra de um é tão mais “pobre” do que a de outro, quais são os motivos?
Sim, já pararam para pensar sobre isso? Por que a cantora de funk usa determinado palavreado, que difere, e muito, de outros cantores? Quais fatores sociais? Quais influências do Meio ela teve? O que ela objetiva? Qual a busca desse tipo de pessoa? É um grito de liberdade ou de escravidão? É um grito válido? Você gritaria com ela? Não? Por quê? Essas são algumas perguntas que, ao meu ver, a estudante buscará responder. 
Veja bem, eu posso não gostar de funk e posso até, usando de Modelos estabelecidos, tentar explicar por quais motivos, “tecnicamente”, as letras são pobres e não chegam perto dos melhores exemplares que temos para a música/poesia. Posso? Claro que sim. Isso mudará algo? Provavelmente, não. Retornando, de novo, para minha área, eu posso tentar explicar os motivos de Machado de Assis ser um escritor muito superior a Paulo Coelho. Posso? Claro que sim. Isso é interessante para quem quer estudar e se aprofundar mais na área? Claro que sim. Isso fará com que um fã do Paulo, odeio-o e se apaixone por Machado? Provavelmente, não. E deveria fazer com que ele mude de ideia? Sei lá… sou meio indiferente a essa pergunta. 
A questão é que você pode, sim, provar que algo é melhor do que o outro [estamos falando de Modelos dentro da "crítica" da área, por favor], mas, isso dificilmente influenciará que as pessoas passam a gostar de algo que, tecnicamente, é melhor do que o outro. A arte – ainda bem! – é mais do que uma pura avaliação técnica, ela mexe – ou deveria – com aquilo que achamos que somos, com aquilo que achamos que temos, que achamos que constituímos. Ela pode desestabilizar a sua mente, o seu corpo, o seu ser, mexer com o mais profundo do seu âmago e, ainda assim, pode não ser o maior exemplar técnico do assunto. 
Eu odeio dançar, mas, com um samba ao fundo, me é impossível controlar o pé. Ou, com um funk, a cintura. Que horrível! dançando com esse tipo de música?! Horrível nada! Que maravilha. O funk faz o que nem Chico Buarque faz comigo.
A pesquisa pretende estudar uma boa parcela da população, compreendê-la e trazer a discussão popular para dentro da Academia, de uma maneira válida para ambos os lados. Assim, me parece que o projeto da estudante é completamente válido – na verdade, eu até me surpreendo por ver gente questionando o trabalho.
E, que esses projetos entrem, cada vez mais, dentro da Academia, para tentar compreender e nos explicar um pouco da sociedade em que vivemos. Sem esse preconceito estúpido de que só a “cultura de valor” deve ter espaço no meio acadêmico. Precisamos abrir mão desses valores enraizados há tanto tempo e, darmos a merecida atenção aos outros movimentos artísticos e sociais que o Brasil possui. Xô, pedantismo, xô! 
Eu ainda iria trazer alguns comentários do G1 e discutí-los com vocês por aqui, mas, como o artigo já ficou razoavelmente extenso e acredito que os pontos tenham ficado claros, preferi não fazer isso. 

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