A verdade, nada mais que a verdade
Por Alfredo Junqueira – O Estado de S. Paulo
Filho de desaparecido, novo presidente quer ‘verdade’ sobre regime
Santa Cruz diz ser contra revisão da Anistia, mas defende investigação de casos, incluindo a ligação de civis com a repressão
RIO – Com apenas dois anos, Felipe Santa Cruz conheceu a face mais cruel do regime militar brasileiro.
O ano era 1974.
Seu pai, Fernando, então com 26 anos e funcionário público do Estado de São Paulo, foi preso por agentes do DOI-Codi no Rio no sábado de Carnaval e desde então passou a integrar a lista de desaparecidos políticos.
No último dia 21, Felipe tomou posse como presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) – uma das entidades que mais lutaram pela redemocratização do País.
A dor pela perda do pai, as privações impostas à mãe e à avó e as torturas sofridas pelos tios – também militantes de organizações clandestinas – nunca foram bandeira política desse advogado trabalhista, hoje com 40 anos, casado e com quatro filhos.
Felipe não pretende transformar seu posto na OAB-RJ numa trincheira revanchista.
Mas o filho de Fernando Santa Cruz quer a verdade.
Para ele, as informações reveladas pelas comissões da verdade nacional, de São Paulo, Pernambuco e, futuramente, do Rio não devem apenas focar seu trabalho nos militares envolvidos diretamente nas violações de direitos humanos.
O presidente da OAB-RJ cobra também a apuração da participação do que ele chama de “lideranças civis e econômicas” no aparelho repressor.
Na sua avaliação, essas pessoas foram absolvidas e esquecidas com a redemocratização.
Para Felipe, é emblemático o caso do atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, que, segundo ele, teve participação na prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog.
“Você vê esse Marin. A prisão do Herzog se deveu ao discurso desse canalha. Aí fica ele cuidando da Copa do Mundo. Isso é muito mais irritante. Isso traz indignação. Eu não quero a prisão do Marin, mas eu quero que todo mundo saiba que o Herzog morreu por causa do Marin. Que ele fez parte do processo que levou um delegadinho assassino a matar o Herzog”, afirmou o presidente da OAB-RJ, em entrevista ao Estado, semana passada.
Em outubro de 1975, então como deputado estadual, Marin cobrou em discurso na Assembleia Legislativa providências das autoridades sobre a denúncia de que a TV Cultura estava infiltrada por comunistas. As palavras do então parlamentar são apontadas por Felipe como estopim para a prisão de Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura, que morreu sob tortura no DOI-Codi semanas depois.
Procurada, a assessoria de Marin não retornou os recados.
Anistia. Santa Cruz não defende a revisão da Lei de Anistia. Para ele, os crimes cometidos no período prescreveram. A posição do advogado contraria a bandeira levantada pela OAB nacional, que propôs ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Lei de Anistia deixasse de beneficiar agentes públicos envolvidos em casos de desaparecimento forçado. Os ministros rejeitaram o pedido da entidade.
“Os crimes da ditadura prescreveram. Acho bom que tenham prescrito. Não tem que prender ninguém. Mas acho importante para o Brasil a verdade. Expor não é vingança. É a compreensão histórica do que aconteceu naquele período para preservar a democracia e a memória viva da ditadura”, disse Santa Cruz.
Com o lançamento do livro Memórias de uma guerra suja, em 2012, com depoimentos do ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo e da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra, surgiu a primeira pista do destino de Fernando e Eduardo Collier após a prisão. Segundo Guerra, os corpos dos dois foram incinerados em fornos da Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, que pertencia ao ex-vice governador biônico do Rio, Heli Ribeiro Gomes.
NOTA DO BLOG: E se você quiser se associar a mais de 34 mil pessoas que já subscreveram o abaixo-assinado proposto por Ivo Herzog, filho de Vladimir, entre estes também o jornalista Fernando Gabeira e Chico Buarque de Hollanda, entreAQUI.
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