quinta-feira, 1 de setembro de 2011

1º de Setembro não me representa! (2)


DIA DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA?

Texto: Professor Nilo Silva Pereira Netto
http://efisicacritica.blogspot.com/2011/08/dia-do-profissional-de-educacao-fisica.html


Ao primeiro dia de setembro desse ano, muitos de nossos companheiros e companheiras professores de Educação Física deverão ser cumprimentados pela suposta comemoração de seu dia nas escolas e em diversos outros lugares. Mas o que efetivamente significa essa data? Seria uma inofensiva homenagem comemorativa? Seria o reconhecimento de uma área do interior do campo educacional que possui diferenças significativas e por isso merece um lugar e dia em destaque?
 De antemão afirmamos que não. Nesse pequeno artigo nos propomos ao exercício – proposto por Bertold Brecht – de desconfiar da trivialidade, da aparência singela e convidar o conjunto do professorado ao salutar e fraterno debate acerca do efetivo significado dessa data comemorativa: a regulamentação da profissão de Educação Física.
Em 1° de setembro de 1998, Fernando Henrique Cardoso assinava em Brasília a lei que regulamentaria a profissão de Educação Física. Na mesma legislação, criar-se-iam as estruturas dos Conselhos Regionais e Federal de Educação Física (CREFS e CONFEF).
Se nossa proposta é o convite à desconfiança e ao debate, é de certa forma previsível termos uma posição de contestação diante desse acontecido, ou melhor dizendo, dos bastidores desse acontecido. Sendo assim, tratamos sem mais delongas de apresentar nossos argumentos.
A regulamentação da profissão de Educação Física, ventilada desde os remotos tempos das primeiras escolas nacionais de formação superior nesse campo, consolida-se ao final dos anos noventa em um contexto social mundializado em que se visualizava o suposto triunfo do modo capitalista de organizar a produção da vida, notadamente em sua face nomeada neoliberalismo.
Nessa nova face, o receituário sócio-metabólico prescrevera a superação de seu antecedente histórico, o Estado de Bem Estar Social, pelo estado mínimo, afeto às prescrições do liberalismo clássico. As reformas estruturais no aparelho estatal foram um importante mecanismo de enxugamento de recursos para políticas sociais e de restrição da ação do estado nos movimentos da economia. Alguns intelectuais apologistas dos novos parâmetros organizacionais apressavam-se em anunciar o fim da história e a emergência de uma nova sociabilidade sob a insígnia da globalização.
Trataram nesse escopo, de buscar naturalizar definitivamente as principais contradições que ainda se apresentavam no âmbito da realidade do capital. Questões como o crescente quadro de desemprego, a imensa acumulação de riquezas em um pólo e noutro a acentuada presença da miserabilidade, a perda dos direitos sociais adquiridos pela classe trabalhadora, assim como a marcante precarização das condições de trabalho para aqueles e aquelas que mantinham seus postos de ocupação, foram as manifestações emergentes nesse contexto social ampliado.
A sociedade brasileira, guardadas as devidas proporções, esteve envolvida nesse mesmo processo no movimento político-econômico mundial e de forma bem definida na apresentação dos sintomas contraditórios desse sistema.
Nessa articulação não passou imune a Educação Física. Essa área do conhecimento historicamente ligada à instituição escolar enquanto disciplina que encontrava nesse campo seu principal espaço de atuação, observava nos anos oitenta a explosão de uma nova arena como sua possibilidade de intervenção, a arena das ginásticas e atividades de academia, o campo não-escolar da Educação Física.
Esse novo contexto possibilitou a retomada ao chamado pela regulamentação da profissão, partindo de uma leitura falsamente concreta da realidade do trabalho nessa área. Elegeu-se como pauta central para justificar esse passo histórico, a necessidade de colonização corporativa do campo não-escolar em Educação Física, que nesse caso seria uma "terra de ninguém", na qual supostos leigos explorariam o mercado, roubando dos profissionais dessa área seu espaço de direito.
Nesse argumento, falso-concreto, como afirmamos, os ditos leigos são profissionais de outras áreas – com formação superior ou mesmo por meio de outros códigos de instrução – com intervenção legítima no âmbito da cultura corporal, que a regulamentação da profissão enquanto instrumento jurídico expulsaria do mercado. Essa concepção corporativista ocasionou enorme celeuma, colocando profissionais da Educação Física contra outros, a exemplo dos profissionais docentes em dança, yoga, artes marciais e outros.  Por outro lado, a suposta expulsão dos ditos leigos do hipotético espaço de direito dos profissionais de Educação Física, não resolveria, por seu turno, nem a questão do desemprego destes profissionais, tampouco aliviaria a precarização do trabalho destes, ambos processos inerentes a sociabilidade capitalista contemporânea.
Por esse motivo, consideramos o argumento central da regulamentação da profissão – na completude de seus 13 anos de consolidação – um equívoco político-estratégico de proporções exponenciais. A regulamentação da profissão não poderia e nem pode atuar nas condições reais de trabalho dos profissionais dessa área, por uma série de motivos, mas especialmente por não ser essa sua razão real de ser, que é configurada efetivamente na fiscalização do exercício profissional, quer dizer, na vigilância da atuação profissional, que ideologicamente garantiria a exclusão de determinados profissionais do mercado da cultura corporal.  Prevalece aqui a lógica do corporativismo, traduzida popularmente nos dizeres de que “quando a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Uma ótica notadamente excludente, anti-solidária e acima de tudo, enganosa.
Essa concepção além de fragmentar a luta de toda uma classe, transferindo os conflitos contra o capital, para os embates de trabalhadores contra trabalhadores de distintas áreas de formação, não considerou a totalidade de relações que configuravam a intervenção do profissional de Educação Física, marcada pela precarização das relações trabalhistas, parcos rendimentos e ínfimos benefícios sociais.
Nesse contexto é ponto fundamental a criação dos conselhos profissionais, baluartes econômico-institucionais da aplicação e permanência da concepção corporativista da regulamentação da profissão.
Esses conselhos passaram a atuar fortemente na colonização das áreas da cultura corporal no intuito de ampliar seu quadro de registros e nesse passo, buscaram estender o seu domínio inclusive ao campo da Educação Física escolar, âmbito no qual inicialmente não pretendiam intervir e que obviamente já se encontrava devidamente regulamentado pela legislatura educacional.
A figura dos leigos adquiria novos contornos, passando a se configurar não apenas com os profissionais de outras áreas, mas também com todos aqueles profissionais que não se encontravam registrados nos quadros do CONFEF.
Mas todo esse processo não ocorreu sem resistências. O movimento estudantil de Educação Física foi vanguarda nesse sentido, posicionando-se em contrariedade, apontando com profundidade os limites de uma regulamentação da profissão.
O movimento progressista da Educação Física também atuou na contestação da regulamentação, considerando um retrocesso severo nas discussões internas da área caso a concepção atrelada à regulamentação, ligada à perspectiva da atividade física, fosse efetivamente levada adiante. Retrocesso que realmente aconteceu, e que, colhemos até hoje os frutos de uma concepção restritiva e fragmentária da Educação Física.
Fundamental fonte de resistência a esse processo é o Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR), deflagrado em agosto de 1999. Composto por estudantes, professores e professoras de Educação Física e outras áreas, organizado em diversas regiões do Brasil, o movimento além de realizar a leitura que ora apresentamos, considera a regulamentação como fruto de um processo antidemocrático de tramitação, no qual as argumentações mais superficiais é que ganharam corpo no parlamento.
Esse movimento realiza diversas ações de contraposição ao CONFEF e a própria regulamentação em debates, produções acadêmicas, ações políticas e judiciais.
No momento em que os conselhos partiram para o interior das escolas, junto a entidades sindicais, esse movimento auxiliou a organizar as ações que buscaram reverter a absurda cobrança de filiação do professorado aos conselhos.
Muitos desses processos foram revertidos e o caso mais expressivo é o que dá ganho de causa aos docentes da rede estadual do Paraná. Em 2003, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Paraná (APP-Sindicato) denunciou o Conselho por compelir docentes à filiação, sob pena de denúncia e autuação por exercício ilegal de profissão. Isso resultou no Ofício 423/2004, recomendando ao Conselho Regional Paranaense que este “se abstenha de realizar quaisquer atos que objetivem, direta ou indiretamente, exercer persuasão sobre escolas e professores [...] para que estes [...] se inscrevam na entidade, sob pena de responsabilidade civil e penal, na forma da Lei”.
Não sendo atendida a recomendação, a APP entrou com uma Ação Civil Pública contra o Conselho Regional, resultando na Decisão-Mandato que estabelece multa de cinco mil reais por docente autuado pelo CREF/PR, além da sentença de ação ordinária de 2004 que obriga a devolução do dinheiro para docentes que se registraram por coerção e pagamento de honorários advocatícios.
Aliado a isto, tem-se a Resolução 881/2004 do Secretário de Estado da Educação que torna público que professores desta rede que exercem exclusivamente atividade de docência não estão sujeitos à obrigatoriedade de filiação no CREF.
Faz-se importante deixar claro que a intervenção do CONFEF no âmbito escolar é um grande equívoco do ponto de vista legal. Os profissionais do magistério já possuem sua atividade profissional devidamente regulamentada pela legislação educacional, não cabendo a esses, qualquer relação obrigatória com conselhos profissionais.
Por fim, retomamos a premissa que, a nosso ver, a regulamentação da profissão não se configura como uma estratégia adequada para a luta dos trabalhadores nessa área. Consideramos que o horizonte imediato pelo qual devemos nos enfileirar em luta, é o da regulamentação do trabalho, de modo a garantir a toda classe trabalhadora condições dignas nas ocupações e seguridade social ampliada.
E por isso, afirmamos que não há nada que se comemorar nesta data. Não visualizamos alterações positivas aos trabalhadores da Educação Física a partir da regulamentação da profissão. A manutenção dos mesmos argumentos falso-concretos pelos conselhos profissionais não se sustentam ao contrapormos os mesmos com a realidade do trabalho no campo não-escolar, onde predomina o quadro de precarização.
Indicamos ainda, que o verdadeiro dia do professor e da professora de Educação Física, seja qual for seu campo de intervenção, é o dia 15 de outubro, quando ombro a ombro com os demais docentes de todas as áreas, paralisamos as atividades educacionais para celebrar nossos esforços e a importância do ensino no processo de emancipação humana.
Nesse dia e em todos os outros, permaneceremos abertos ao debate sobre os rumos da educação, Educação Física e particularmente, manter-nos-emos em luta por melhores condições de trabalho e vida para nossa categoria.


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