quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

2019 e o "Lixo Marxista"



Em seu discurso de posse, Bolsonaro falou 
que ia livrar as instituições de ensino do "lixo marxista". Essas foram as palavras literais dele:

"Uma das metas para tirarmos o Brasil das piores posições nos rankings de educação do mundo é combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino. Junto com o Ministro de Educação e outros envolvidos vamos evoluir em formar cidadãos e não mais militantes políticos (BOLSONARO, 2019)".

A aparente ignorância e desconhecimento de Bolsonaro sobre o legado marxista não nos surpreende. Discípulo de Olavo de Carvalho - astrólogo e pseudo-filosófo - acredita que o tal de "marxismo cultural" é o responsável pelo enfraquecimento da "família tradicional" e pela perversão dos costumes dos jovens atuais no que concerne à sua sexualidade.

Essa é uma das fundamentações do "partidário" projeto Escola Sem Partido e de outra pérola criada, a tal de "ideologia de gênero". Essa análise frágil, somada a intensa movimentação ideológica de ataque ao pensamento crítico, revela o nível dos enfrentamentos que nos esperam em 2019.

Sobre o marxismo, deixo as palavras de José Paulo NETTO, professor da UFRJ, um dos maiores estudiosos do pensamento marxiano:

"Cabe insistir na perspectiva crítica de Marx em face da herança cultural de que era legatário. Não se trata, como pode parecer a uma visão vulgar de "crítica", de se posicionar frente ao conhecimento existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o "bom" do "mal". Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites - ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais. É assim que ele trata a filosofia de Hegel, os economistas políticos ingleses (especialmente Smith e Ricardo) e os socialistas que o precederam (Owen, Fourier et alii). Avançando criticamente a partir do conhecimento acumulado, Marx empreendeu a análise da sociedade burguesa, com o objetivo de descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica. Esta análise, iniciada na segunda metade dos anos 1840, configura um longo processo de elaboração teórica, no curso de qual Marx foi progressivamente determinando o método adequado para o conhecimento veraz, verdadeiro, da realidade social (Mandel, 1968). Isto quer dizer, simplesmente, que o método de Marx não resulta de descobertas abruptas ou de intuições geniais- ao contrário, resulta de uma demorada investigação: de fato, é só depois de quase 15 anos de pesquisas que Marx formula com precisão os elementos centrais de seu método, formulação que aparece na "Introdução", redigida em 1857, aos manuscritos que, publicados postumamente, foram intitulados Elementos fundamentais para a crítica da economia política. Rascunhos. 1857-1858 (Marx, 1982, p. 3-21)1. É nestas poucas páginas que se encontram sintetizadas as bases do método que viabilizou a análise contida n'O capital e a fundação da teoria social de Marx (NETTO, 2011, p. 18-19)".

A contribuição de Marx, tanto na teoria social para compreensão do desenvolvimento da sociedade política e a necessidade de sua superação, mas principalmente no método materialismo histórico, é ainda extremamente atual, pois nos dá suporte para compreender a realidade (pelo método), cada vez mais complexa e nos permite (pela teoria social), entre outras coisas, entender as crises estruturais e ciclicas do capital (Olha o estrago que a crise de 2008 fez e ainda faz).

A seriedade e gravidade das palavras de Bolsonaro, que relembram o nefasto Comando de Caça aos Comunistas, nos coloca  novamente em alerta. Os professores e professoras marxistas terão sua liberdade de cátedra cerceada. Esse perigo que avizinha, nos ensina o passado:

"Também no que toca à teoria social de Marx a questão do método se apresenta como um nó de problemas. E, neste caso, problemas que não se devem apenas a razões de natureza teórica e/ou filosófica: devem-se igualmente a razões ideopolíticas - na medida em que a teoria social de Marx vincula-se a um projeto revolucionário, a análise e a crítica da sua concepção teórico-metodológica (e não só) estiveram sempre condicionadas às reações
que tal projeto despertou e continua despertando. Durante o século XX, nas chamadas ''sociedades democráticas", ninguém teve seus direitos civis ou políticos limitados por ser durkheimiano ou weberiano - mas milhares de homens e mulheres, cientistas sociais ou não, foram perseguidos, presos, torturados, desterrados e até mesmo assassinados por serem marxistas (NETTO, 2011, p. 11)".

2019 inaugura um novo momento da política brasileira, que remete ao velho. Saudoso Belchior já dizia "E o passado é uma roupa que não nos serve mais". Precisamos estar juntos nesse momento. Sim, "Ninguém Solta a Mão de Ninguém".
E afirmo, o "lixo marxista" não deixará as instituições de ensino, nem por decreto, nem por coação. 

Pois ninguém pode impedir o avanço da história, ninguém pode matar o ímpeto da juventude por dignidade, ninguém pode colocar os LGBTs de volta ao armário,  os negros de volta à senzala e as mulheres de volta aos caprichos do lar. 

Enquanto houver capitalismo, haverá desigualdades e enquanto houver desigualdades haverá aqueles que resistem e lutam! 

Feliz 2019, cheio de generosidade e resistência!

Pedro Osmar Flores de Noronha Figueiredo (Tatu), Professor da SEDF

Referencias:

BOLSONARO, Jair Messias. Discurso de posse. 1o de Janeiro de 2019.

NETTO, José Paulo. Introdução ao Estudo do Método em Marx. Expressão Popular,
2011. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=http://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/livros-diversos/introducao-aos-estudos-do-metodo-de-marx-j-p-netto.pdf&ved=2ahUKEwistKL7lM_fAhULgpAKHcJ4C2sQFjAAegQIBBAB&usg=AOvVaw1y36xFAR5LhmAyVNPnZFQY Acesso em 1o jan. 2019.
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