O Professor Dr Pedro Athayde*, da Faculdade de Educação Física, emite opinião sobre a Audiência Pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal que tratou de do seguinte tema "Obrigatoriedade do professor de Educação Física no sistema público de ensino”.
Na última sexta-feira, dia 27 de março de 2015, os deputados professor Israel e professor Reginaldo Veras promoveram audiência pública na Câmara Legislativa do DF, com o tema “Obrigatoriedade do professor de Educação Física no sistema público de ensino”. Estive presente na reunião, contudo não fiz uso da palavra, pois me senti contemplado nas falas de outros professores presentes e, além disso, tive que me ausentar antes do término do evento. Em casa refletindo com mais calma sobre o conteúdo dos discursos, sobretudo aqueles proferidos pelos membros da mesa e, em especial, pelo Deputado Dr. Michel, fiquei com uma sensação de vazio e de dever não cumprido. Nesse sentido, resolvi redigir aquilo que teria sido a minha fala e tentar, ainda que tardiamente, socializa-la com os professores de Educação Física.
Primeiro, gostaria de parabenizar os legisladores responsáveis pela proposta da audiência pública, uma vez que historicamente não temos o costume de estimular e criar espaços aonde a sociedade civil possa se manifestar e contribuir com a construção das políticas públicas implantadas pelo Estado. Logo, iniciativas como essa devem ser estimuladas, pois fazem parte do labiríntico processo de maturidade e afirmação de nossas instâncias democráticas e de participação popular.
Após o devido reconhecimento, inicio minha fala com algumas inquietações. A primeira delas diz respeito ao próprio título do evento, que remete a uma obrigatoriedade já garantida em nossos instrumentos legais, o que torna tautológico interpretar obrigatoriedade como sendo o mesmo que legalidade. Dessa forma, fico a me perguntar: obrigatoriedade seria nesse caso um sinônimo de importância/valorização?
Uma segunda interrogação me surgiu a partir do local de onde falo. Sou professor da Universidade de Brasília e me causou estranhamento não ver essa instituição representada na cerimônia de abertura. Sem desprezar a Universidade Católica de Brasília presente a mesa - instituição na qual realizei minha graduação e que faz parte da história da Educação Física no DF – não vejo motivos para a exclusão da única universidade pública do DF e cujo curso de Educação Física aproxima-se de completar 45 anos. Quais seriam os motivos para essa ausência? Mero esquecimento? Um descuido? Ou uma opção consentida? Em tempo, destaco a ótima fala de nosso coordenador do curso de Licenciatura, professor Daniel Cantanhede Behmoiras.
Tomando por suposto que obrigatoriedade remete-se a importância/valorização, trago a seguinte reflexão: triste daquela área de conhecimento que não se reconhece em si mesmo e busca sua valorização junto ao reconhecimento de outra área. Metaforicamente, poderíamos dizer que a Educação Física brasileira nasceu do casamento entre um general do exército e uma médica. Passaram se os anos, seus pais se separaram, a Educação Física atingiu sua maioridade, mas continua imersa em uma crise de identidade. Ela chegou aos seus quarenta anos, mas continua a morar na casa da mãe e em alguns finais de semana visita seu pai. Poderia ter sua moradia e caminhar com as próprias pernas, mas se acomodou com os agrados e mimos dos pais, bem como com o conforto do lar materno.
Perpetua-se uma conjuntura na qual ignoramos que temos um conhecimento próprio, que nos identifica, e continuamos a reproduzir os discursos de que a Educação Física é importante porque previne doenças, promove saúde, garante qualidade de vida etc. Como não nos sentimos reconhecidos, legitimados e valorizados, buscamos respaldo em uma área já reconhecida, valorizada e legitimada junto à opinião pública - a medicina e a saúde. Trata-se de uma aproximação justificável em um determinado período histórico de consolidação da área, mas que se perpetua e ganha força até os dias de hoje.
Queremos, dentro das escolas, sermos reconhecidos como um componente curricular tão importante quanto qualquer outro, mas o curioso é que não vejo professores de matemática, português, física e química se reunirem para reivindicar e justificar sua obrigatoriedade/importância na educação de crianças e adolescentes. Há uma série de fatores que justifica esse cenário, mas, certamente, um deles é a nossa incapacidade de reconhecer e fazer com que as pessoas reconheçam que a Educação Física tem um conhecimento próprio fundamental à formação dos jovens. Esse conhecimento está na cultura corporal e seus vários elementos como a dança, as lutas, a capoeira, o esporte, as atividades circenses entre outros.
São os conteúdos acima que dão uma riqueza incomparável à Educação Física e potencializam sua capacidade de intervir na formação integral do indivíduo. E aqui não me refiro a uma questão de mais tempo dentro dos espaços carcerários das escolas, mas sim da integralidade do ser humano. Ou seja, da capacidade de desenvolver as múltiplas potencialidades do sujeito. Trata-se de um desafio que não é só da Educação Física, mas da própria estrutura educacional brasileira.
A escola deve se livrar de uma visão minimalista que a aprisiona tão-somente a dimensão técnico-científica do conhecimento, ilustrada pela priorização de aprovação no vestibular e suas danosas consequências. O espaço escolar deve ser transformado no local de uma sólida e rica formação humanística, capaz de agir nas dimensões motora, artística, filosófica, estética, sem que para isso tenha que deixar de lado a preocupação com o conhecimento técnico-científico. Parece-me que a Educação Física, pelas suas especificidades, apresenta-se como um componente curricular capacitado a intervir sobre todas essas dimensões. Se nos convencermos e conseguirmos convencer a sociedade disso, estará aberta a porta para que sigamos nossa própria trilha e deixemos o lar maternal, visitando-a esporadicamente para matar as saudades.
Como temos esse complexo de Édipo pela medicina, trago aqui uma última reflexão bastante interessante. O Conselho Federal de Medicina foi criado a mais de 50 anos para desempenhar suas atividades de regulação e fiscalização da atuação profissional. No entanto, nos últimos 14 anos, o crescimento de registro de erro médico junto ao Superior Tribunal de Justiça teve um crescimento de 1600%. Entre 2010 e 2011, o aumento foi de mais de 52%. Uma análise inicial e superficial fornece indicativos de que não será a ação regulatória o elemento capaz de garantir uma atuação profissional qualificada. Afinal, as garantias para isso independem de um agende fiscalizador, pois elas estão vinculadas à esfera da formação, seja inicial, seja continuada. Daí, a necessidade de proteger as instituições escolares, acadêmicas e seus PROFESSORES de uma ação meramente coercitiva e que em nada contribui para que tenhamos uma educação pública e de qualidade.
Obrigado!
*Pedro Athayde é Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília (2003), Mestre em Educação Física pela Universidade de Brasília (2009) e Doutor em Política Social pela Universidade de Brasília (2014). Pesquisador do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer (AVANTE/UnB). Foi secretário distrital do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) de 2009 a 2012. Entre 2005 a 2014 foi técnico em assuntos educacionais junto ao Ministério da Educação. Mais recentemente, passou a compor o comitê científico do Grupo de Trabalho Temático em Políticas Públicas do CBCE. É professor adjunto "A", nível 1, da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário