terça-feira, 29 de maio de 2012

ESPAÇO VIVO


Trabalho interno, trabalho externo
Universidade


Paulo Oliveira*

A Unicamp é, desde sempre, um dos grandes patrimônios de Campinas. Isso é bom, e deve continuar assim. A Unicamp é uma das melhores universidades brasileiras e tem se esforçado para figurar dentre as melhores do mundo. Isso é bom, e deve continuar assim? Em termos.

Se para ganhar visibilidade lá fora e figurar dentre “as melhores”, tiver de voltar
 as costas para os problemas da cidade, do estado, do país, isso é ruim. Se, para alcançar índices de citação que melhorem a “nota” internacional da universidade, seus professores investigarem apenas questões de interesse “global”, só pesquisando o que der “Ibope” lá fora, esquecendo-se dos assuntos propriamente “nossos”, isso certamente é ruim. Se para publicar bastante esquecerem-se de preparar boas aulas para seus alunos, também da graduação, isso não pode ser bom. Se, no afã de ganhar destaque no exterior, passarem ao largo da interlocução mais direta com a sociedade que os cerca, fazendo pouco da extensão,
isso decididamente não é bom. Até porque a tarefa da Universidade não se esgota na pesquisa, mas envolve também ensino e extensão, de modo indissociável, inalienável.

Certamente é bom fazer pesquisa de ponta, contribuir para a ciência com alcance global etc. Mas a Unicamp é uma universidade pública e deve prestar contas à sociedade como um todo. Infelizmente, certo discurso que permeia as discussões sobre a Universidade há um bom tempo mobiliza uma velha falácia, de que o que for bom para o indivíduo particular necessariamente será bom para o coletivo.
 

A coisa não funciona bem assim, como nos mostra o magnífico filme Trabalho interno, sobre a crise econômica de 2008, que arruinou as perspectivas de populações inteiras. Nele se vê como os interesses pessoais e o afã liberal de limitar a ação dos órgãos de controle acirrou as diferenças sociais, dificultando inclusive o acesso à universidade pública (nos EUA). E que a “elite pensante” –inclusive universitária– teve um papel preponderante nesse processo.
 

É bom que a Unicamp forme gente que pensa – mas não que pense para ser elite. Temos também de ser atuantes e solidários, prestar contas não só às próprias aspirações, como querer figurar dentre os melhores. Porque “melhor” não é valor neutro, depende do prisma. E desse prisma deve fazer parte também um “trabalho externo”, que atua junto com a sociedade e para ela; ou que ao menos preste contas a ela. Caso contrário, teremos, uma vez mais, privatizado o que é de todos – a universidade pública.
 

*Paulo Oliveira é professor da Unicamp

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