domingo, 4 de dezembro de 2011

Educação Candanga


Ensino no Distrito Federal está cada vez mais privado, diz Censo do IBGE


O sistema educacional de Brasília deveria servir de modelo para o resto do país. Assim que os desenhos de Lucio Costa ganharam vida e se transformaram em uma cidade, o educador Anísio Teixeira idealizou um modelo revolucionário, que faria do ensino público um marco da nova capital. A educação gratuita deveria ser integral, com atividades divididas nas escolas classe e parque. Mas, meio século depois, as ideias de Anísio Teixeira mais parecem uma longínqua utopia. Proporcionalmente ao tamanho da população, o ensino público beneficia um número cada vez menor de brasilienses. E a privatização da educação avança rapidamente.

Entre 2000 e 2010, o número de estudantes do sistema público aumentou de 510.623 para 539.584, o que representa um crescimento de 5,6% — percentual cinco vezes menor do que a expansão populacional do Distrito Federal no mesmo período. Em compensação, na primeira década deste século a quantidade de alunos nas creches e escolas particulares saltou de 218.565 para 338.891, um impressionante acréscimo de 55%.

Significa dizer que nos últimos 10 anos o sistema privado cresceu em um ritmo 11 vezes maior do que a rede pública de ensino. Os dados são do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se esse ritmo de crescimento observado desde 2000 for mantido, em pouco mais de uma década haverá mais estudantes no sistema privado do que na rede pública de ensino. Em 2000, o total de matriculados em instituições particulares no DF representava 29% dos estudantes da capital federal. Hoje, os que pagam para estudar já são 38,5% do universo de alunos de Brasília.

Em comparação com os dados nacionais, as estatísticas que mostram a privatização do ensino na capital chamam ainda mais atenção. O Distrito Federal é a unidade da Federação com o maior percentual de alunos no ensino particular, proporcionalmente à população total. Entre os 2,5 milhões de brasilienses, 13,1% pagam por educação. Esse número é mais do que o dobro da média nacional: apenas 6,82% dos 190 milhões brasileiros têm que gastar recursos do próprio orçamento para conseguir estudar.

Escola particular em Samambaia cresceu 50% nesta década: mensalidade de R$ 500 (Ed Alves/Esp. CB/D.A. Press)
Escola particular em Samambaia cresceu 50% nesta década: mensalidade de R$ 500


Causas
Dois fenômenos ajudam a explicar a privatização do ensino em Brasília. O primeiro é o aumento da renda das famílias e a redução da desigualdade socioeconômica. Com rendimentos médios mensais de R$ 4,1 mil, o maior do país, os brasilienses se sentem mais à vontade para separar parte do salário e destiná-la ao pagamento de uma mensalidade escolar. Ao mesmo tempo, o sistema público perdeu credibilidade. Escolas sucateadas, algumas delas construídas com placas de amianto, são cada vez menos atrativas para pais e estudantes. Com frequência, faltam professores, material e merenda.

O desempenho dos alunos das escolas privadas em avaliações nacionais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é sempre melhor do que o obtido pelos colegas da rede pública. Essa diferença faz com que milhares de famílias sacrifiquem parte do orçamento mensal para garantir uma vaga no sistema particular de ensino da capital federal.

Até mesmo em cidades mais distantes do Plano Piloto, o fenômeno da privatização do ensino avança a passos largos. Nessas regiões, as escolas públicas já representaram no passado a única opção, mas hoje a rede particular cresce e surge como alternativa de educação de qualidade. O professor Clayton Braga, diretor da escola CCI, em Samambaia, conta que o número de matrículas cresceu 50% na última década. Hoje, são mais de 3 mil estudantes.

O estabelecimento escolar funciona em um prédio de cinco andares, com piscina, sala de música e laboratório de informática. “Há 10 anos, seria impensável para a maioria dos pais da nossa comunidade pagar uma mensalidade de R$ 500. Mas a população de Samambaia cresceu muito e a situação econômica das famílias também melhorou significativamente”, justifica Clayton. “Independentemente de a escola ser pública ou particular, o que os pais querem é qualidade de ensino”, acrescenta o diretor. 

Os dois filhos da técnica em enfermagem Sueli Rodrigues Silva, 40 anos, cursaram a educação infantil na rede pública. Hoje, eles estão em uma escola privada e a mãe de Matheus, 12 anos, e Micael, 8, não abre mão do sistema particular. “Ficava preocupada porque há muita violência nas escolas públicas. Além disso, a estrutura é muito ruim. Não quero que meus filhos fiquem para trás”, justifica Sueli. Os meninos gostaram da troca. “Aqui é mais organizado, a nova escola é bem mais legal”, diz Matheus.

Patrono 
Nos anos 1960, o presidente Juscelino Kubitschek convocou o educador Anísio Teixeira que, com Darcy Ribeiro, idealizou o modelo de educação para a nova capital federal. O grupo comandado pela dupla organizou o sistema educacional de Brasília, que era baseado em um modelo de educação integral. A inspiração veio do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, implantado em Salvador, na Bahia, na década de 1950. Aqui, o modelo incluía as escolas classe e as escolas parque e os alunos frequentavam cada uma delas em um turno.

Fenômeno é econômico, diz Secretaria de Educação

A diretora de Organização do Sistema de Ensino da Secretaria de Educação do DF, Raphaella Rosinha Cantarino, diz que o crescimento dos alunos matriculados no sistema privado está relacionado ao aumento da renda das famílias, e não a possíveis questionamentos com relação à qualidade do ensino público. “Houve uma elevação muito grande no poder aquisitivo aqui em Brasília e isso gerou uma mudança de postura. Nos anos 1990, era muito caro manter um filho na escola particular. Hoje, a realidade mudou”, afirma.

Raphaella argumenta, entretanto, que não conhecia os dados do censo do IBGE e, por isso, não poderia fazer comentários sobre os percentuais de expansão das redes pública e privada. De acordo com a diretora, os melhores alunos das escolas públicas ganham bolsa e são atraídos para o sistema particular. “Tivemos uma escola cujo time de futebol foi campeão de um grande torneio. Veio uma escola privada e ofereceu bolsa a todos eles. Isso acontece sempre e acaba estimulando outros pais a também mudarem seus filhos de uma instituição para outra”, afirma a diretora.

Sueli e os filhos, Matheus e Micael: da rede pública para a escola particular (Ed Alves/Esp. CB/D.A. Press)
Sueli e os filhos, Matheus e Micael: da rede pública para a escola particular


“As pessoas precisam saber que a escola pública não é gratuita, ela é financiada com os impostos pagos por todos os brasileiros. E há muitas instituições do governo com grande nível de qualidade. Um aluno de São Sebastião foi finalista de um concurso de redação do Senado. Isso mostra que não é possível fazer generalizações”, defende a diretora da Secretaria de Educação.

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