terça-feira, 27 de setembro de 2011

ESPAÇO VIVO 11


Clubes e confederações
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políticas públicas

Dissertação analisa papel de Conferências
Nacionais do Esporte nos mandatos de Lula

Apesar de o governo Lula ter discursado a favor da proposta de ampliação dos espaços de formulação e deliberação das políticas sociais para a sociedade civil, o lugar da formulação da política de esporte e lazer, no período de 2003 a 2010, esteve principalmente nos grandes clubes, nas Confederações Esportivas, com destaque para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e também seus correspondentes internacionais (Fifa e COI), de acordo com a pesquisadora Lia Polegatto Castelan. Em sua dissertação, orientada pelo professor Lino Castellanni Filho, da Faculdade de Educação Física da Unicamp, Lia discute o papel das Conferências Nacionais do Esporte na configuração da política esportiva e lazer no governo Lula.
Ao analisar os documentos das conferências, Lia diz não ter encontrado qualquer deliberação no sentido de sediar uma Copa do Mundo ou Olimpíada, mas sim propostas que versam sobre a necessidade de aumentar as ações do Estado para que privilegiem a manifestação esportiva educacional e de participação, invertendo, assim, a lógica histórica de investimentos massivos do Estado na manifestação esportiva de rendimento.
De acordo com Lia, o discurso do governo gerou na sociedade civil a expectativa de que estes espaços seriam de fato o novo local de formulação das políticas de esporte. “Inclusive o próprio presidente afirmou isso textualmente nos discursos que proferiu nesses eventos e no texto do decreto presidencial que instituía a Conferência do Esporte”, afirma. A autora do estudo acrescenta que em todas as conferências há expressamente a deliberação de que não haja mais investimentos estatais em confederações, federações e outras entidades que não tenham democracia interna nem transparência no uso de recursos públicos. Mas a decisão de sediar megaeventos, como as Olimpíadas e a Copa, foi uma das principais políticas de Estado do governo Lula. “E deve se manter assim no governo Dilma, já que continua mobilizando muitos ministérios, investimentos e é um compromisso que não pode ser rompido pelo governo”, explica Lia.
Segundo a pesquisadora, a política de sediar megaeventos centraliza não apenas recursos financeiros, mas também muito poder nas mãos de entidades esportivas reconhecidas por falta de democracia interna e falta de transparência no uso de recursos públicos. Isso também acarreta grandes investimentos no esporte de alto rendimento, em detrimento das outras formas de manifestações esportivas, contrariando frontalmente as decisões tomadas nas conferências.
Para Lia, o fato de sediar megaeventos esportivos deveria ter sido mais debatido com a população e poderia entrar como proposta do governo para a política esportiva. Uma vez assumido este compromisso internacional, ele passa a se sobrepor a outras discussões relacionadas ao esporte e lazer. O problema, segundo Lia, é que o governo só propôs uma conferência com o tema dos megaeventos após assumir o compromisso internacional, em 2010.
Uma mostra atual de desatenção às propostas das conferências, além de todo investimento na área de alto rendimento, é a falta de edital de orçamento para o Programa Esporte e Lazer da Cidade, principal projeto de esporte de participação, em 2011. Ao contrapor as propostas e os gastos governamentais do período estudado na dissertação, Lia diz ter encontrado um grande descompasso, diferentemente da sincronia encontrada entre as deliberações populares das conferências e alguns documentos governamentais importantes, mas que ainda não foram implementados, como, por exemplo, a Política Nacional do Esporte (2004).
O principal exemplo é o Decreto Presidencial de 21 de janeiro de 2004, que institui as conferências como o “espaço de debate, formulação e deliberação das Políticas de Esporte e Lazer para o Brasil”, e o próprio Orçamento Federal de todos os anos posteriores à primeira conferência que não expressam as deliberações. Outro exemplo é a criação do Bolsa Atleta, em que o governo amplia o investimento direto no esporte de alto rendimento (Lei n° 10.891/2004).
Ao lançar um olhar mais atento para o orçamento federal destinado ao esporte e lazer (função 27), Lia verificou que os dados oficiais mostravam que em alguns anos a maior fatia da verba federal para a área estava concentrada no esporte de participação, mais especificamente no Programa Esporte e Lazer da Cidade. Mas como estudiosa da área, percebeu que havia algum problema na informação, já que o programa é o que possui menos núcleos funcionando entre os três principais programas do governo federal (que inclui o Programa Segundo Tempo e o Programa Brasil no Esporte de Alto Rendimento, respectivamente programas de esporte educacional e de alto rendimento).
Foi a partir desse questionamento que ela pôde separar os gastos onde potencialmente incidem as emendas parlamentares dos gastos com os funcionamentos dos núcleos. “Descobrimos que durante todos os anos estudados, o Programa Esporte e Lazer da Cidade recebia uma quantidade realmente expressiva de recursos para a construção e reforma de equipamentos esportivos. Cerca de 90% foram para este fim. E mesmo depois de muitos anos de construção de novos equipamentos, a verba para funcionamento dos núcleos do programa praticamente não aumentou. Não se investiu em esporte e lazer. Já no esporte de alto rendimento e no Programa Segundo Tempo, os gastos com funcionamento dos núcleos perfaziam cerca de 80% do total investido”, revela. Lia constatou que a proporção de recursos totais investidos em funcionamentos de núcleos de esporte e lazer no período de 2005 a 2007 foi de 6% para o esporte de participação, 32% para o esporte educacional e 56% para o esporte de alto rendimento, contrariando sobremaneira as deliberações populares.
Esporte de base?
Para Lia, o programa voltado ao esporte educacional (Programa Segundo Tempo) possui em sua concepção um problema quando se coloca como “esporte de base”. “Porque significa que ele está em função do esporte de alto rendimento para a descoberta de talentos e construção de uma potência olímpica nacional”, explica. Mas, segundo a pesquisadora, o esporte de alto rendimento tem uma lógica própria e é uma manifestação esportiva muito seletiva e excludente. Isso, em sua opinião, diminui a eficiência deste programa por impor aos praticantes um limite de idade e excluir em curto prazo os alunos menos habilidosos. De acordo com a autora, alguns estudiosos da educação física propõem que “esporte de base” deva ser considerado investimento em alto rendimento e não educacional.
A forma de conceber esporte de base para alto rendimento, de acordo com Lia, não é nova. “Isso nos remete à ditadura militar, em que a função do esporte na escola era massificar a prática esportiva para a descoberta de talentos nas modalidades”, reflete. Diversas pesquisas, além de uma simples olhada no quadro de medalhas olímpicas brasileiras, jogam por terra a eficácia destas ações, em sua opinião.
Por outro lado, Lia comemora ao ver aumentar o número de programas que utilizam quadras escolares e que têm ampliado o acesso dos jovens ao esporte, apesar de não serem integrados ao projeto pedagógico da escola e ainda assim serem chamados de “educacionais”. “Isso é muito positivo e pode ser visto como um processo interessante”, pondera.
A pesquisadora acredita que a melhor forma de cobrar o poder público é a organização popular, embora na área de esporte e lazer a organização ainda seja incipiente. Algumas manifestações populares no sentido de mudança estão se iniciando, como é o caso da campanha “Fora Ricardo Teixeira”, que, em sua opinião, expõe de certa forma o descontentamento popular com relação à forma como a CBF é conduzida por ele. Mas, por ser o país do futebol, não dá ênfase à CBF, apenas a seu administrador.
Lia acredita que o governo tem mudado muito nos últimos anos e a experiência das conferências é positiva e deve continuar a ser perfeiçoada. “Estamos em uma democracia jovem. Se virmos pela eficiência imediata, poderíamos cair no erro de dizer que as conferências foram tempo perdido, mas se olharmos como um processo em curso, com falhas e contradições próprias, podemos perceber avanços”, pondera.
Um dado positivo, segundo ela, é a capacidade de reunir milhares de pessoas nas três etapas de cada uma das três conferências nacionais para debater o tema. Ela acredita que o estudo tenha sido importante não só para apontar os limites, mas mostrar alguns avanços. “Esperamos que a presidenta Dilma dê continuidade às conferências e que as deliberações desses eventos passem a ter peso concreto nas ações governamentais, para não se configurarem como um lugar de cooptação da sociedade civil sem consequência política real”, conclui.
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■ Publicação
Dissertação: “As conferências nacionais do esporte na configuração da política esportiva e de lazer no governo Lula (2003-2010)”
Autor: Lia Polegato Castelan
Orientador: Lino Castellani Filho
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

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